quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O que mata - Parte 1

Descia o sol fazendo da vila, aos poucos, breu frio. Não mais havia passos nem pássaros. Calou-se a ruela. Quem bradou por último foi a cancela velha de madeira já apodrecida. Graças a Deus.

- Graças a Deus mamãe, a senhora chegou. A bença?
- Tá abençoada, minha filha. Ai como to cansada...

Em cima do fogão, deixou cair uma sacola branca de plástico. Vagarosamente se dirigiu ao sofá, averiguando a ordem das poucas coisas que ainda lhes restavam. Apoiou os punhos na beira, e devagar deixou o corpo cair. As pernas cinzentas esticadas diziam que a caminhada havia sido árdua, mas enfim descansava o corpo. A cabeça não.

- Ai minha filha hoje eu não consegui nada, nada. Sabe até onde eu fui hoje? Até do outro lado da ponte quase no Centro já...
- Foi mãe?! Por isso demorou...
- Não sei como vai ser amanhã.
- Não preocupa não mamãe... Amanhã tem macarrão na escola. Eu li na parede.
- Ô minha filha... Tá tão difícil... Hoje eu fui lá onde a Jô falou, que precisavam de gente pra trabalhar. Quando eu cheguei lá, o homem nem deixou eu falar. Me olhou com uma cara... Disse que era melhor eu ir embora. Num tinha nada pra mim lá. Desgraçado...
- Mas só olhou, mamãe?
- Só me olhou. Aquele desgraçado... Ouvi alguma coisa quando virei as costas. Macaca. Mas Deus vai me ajudar. Inda passei na feira, ver o que tinha. Consegui um restim de comer. Quase não encontro nada.
- Hoje eu quase consegui tirar 10 no ditado, eu errei só duas palavras. Só duas... Sucesso é com dois esses! Essa era difícil também... E também errei lu... Mãe? Não chora mãe...
- Aquele desgraçado...
- Não chora...
- Escuta filha: nunca, nunca deixe ninguém fazer o que fazem comigo, nunca. Foi porque eu não estudei... Olha, pegue a comida em cima da mesa. E também traz a vela pra cá, que num consigo ver onde tá nada. Como tô cansada...
Dentro da sacola, uma amassada embalagem de alumínio, semi terminada, semi aberta, semi cheia de comida. Sentada ao lado da mãe a menina põe com cuidado a vela acesa na parte de madeira do braço do sofá. Abre a sacola.
- Credo mãe, tá com formiga.
- Desgraça...
- E agora?
- Apaga a vela, minha filha. Nosso problema é a luz.
- Luz! Errei essa também.
- Come, minha filha, come.

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